Augusto Archer Mangueira, ex-ministro das Finanças de Angola e actual governador do Namibe, diz que as acusações de corrupção pelo fisco espanhol configuram uma “perseguição pessoal” que diz estar a acontecer desde que foi ministro das Finanças de Angola. Obviamente (ao contrário do que é regra no MPLA) que o visado está inocente até prova em contrário.
“Tenho muita dificuldade em olhar para a repercussão que é dada aos alegados factos noticiados de outro modo que não seja como fazendo parte de perseguição pessoal, desde que fui investido nas funções de ministro das Finanças, em Setembro de 2016”, disse Archer Mangueira.
Estas declarações à Lusa surgem no seguimento da notícia do jornal espanhol El Mundo, na segunda-feira, e que o Folha 8 publicou com o título “Marimbondos, caranguejos e outros (todos do MPLA)”), que dá conta de uma acusação das autoridades tributárias e judiciais espanholas sobre o alegado envolvimento de antigos governantes angolanos num esquema de corrupção (crime estranho num país como Angola que, recorde-se, é dos impolutos do mundo…) para a construção de um mercado abastecedor em Luanda.
“Em primeiro lugar, declaro a minha total disponibilidade para cooperar com a Justiça em todas as instâncias a que possa, eventualmente, ser chamado a participar”, escreveu Archer Mangueira na nota, na qual diz ter visto a notícia, citando o jornal El Mundo e as investigações judiciais, com “estupefacção”.
Na nota, Archer Mangueira lembra que foi assessor económico do Presidente José Eduardo dos Santos entre Dezembro de 2001 e Janeiro de 2010 e garante que não teve “qualquer função executiva, nem qualquer envolvimento no projecto em causa”.
De acordo com o jornal espanhol, que dedicou uma página da sua edição impressa de segunda-feira (19.07) à notícia, com o título “Uma folha encontrada em Lisboa em 2014 é prova-chave de subornos a Angola”, a Justiça espanhola concluiu que o antigo vice-ministro do Comércio Manuel da Cruz Neto, o então director nacional do Comércio Gomes Cardoso e o antigo assessor económico de José Eduardo dos Santos e futuro ministro das Finanças de João Lourenço, Augusto Archer Mangueira, receberam subornos para permitir a construção de um mercado de abastecimento.
No total, estes três homens terão recebido 450 mil dólares, o equivalente a 381 mil euros, sendo 200 mil para o primeiro, 100 mil para o segundo e 150 mil para o terceiro, num processo que foi encontrado quase por acaso, já que resultou de buscas feitas pelas autoridades portuguesas e espanholas numa casa em Linda-a-Velha, nos arredores de Lisboa, há sete anos, numa outra investigação envolvendo o empresário luso-angolano Guilherme Taveira Pinto.
Em causa está o processo que as autoridades espanholas estão a preparar, e no âmbito do qual querem levar a julgamento 20 pessoas e oito empresas, entre elas a empresa pública Mercasa, por irregularidades detectadas entre 2006 e 2016 para a construção de um mercado de abastecimento na capital de Angola, Luanda, assunto que foi amplamente noticiado pelo Folha 8, desde 2017.
Segundo a Audiência Nacional, um tribunal especial que trata dos casos mais graves de corrupção, para obter o contrato foram pagas comissões às autoridades e funcionários angolanos, tendo os arguidos também ficado com uma parte dos fundos, que ascenderam a quase 20 milhões de euros.
Na sua nota, Archer Mangueira diz que “a quem esteja de boa fé, só pode causar estranheza o facto de eu ser associado como “ministro das Finanças” – funções em que fui investido há apenas cinco anos e que exerci até Outubro de 2019 – aos alegados factos, que, a terem ocorrido, remontarão há cerca de 14 anos”.
Para além disso, afirma “repudiar tão rebuscada orquestração” e critica a “forçada vinculação” do Governo angolano, que diz só poder servir para “obstruir o combate sem precedentes que está curso contra a corrupção”.
No texto, o antigo ministro das Finanças e actual governador da província do Namibe diz ainda estar disponível “para colaborar em tudo o que a Justiça entenda ser necessário esclarecer neste caso”.
Recorde-se que, a Procuradoria-Geral da República de Angola (PGR) recusou o ano passado um novo pedido de extradição do cidadão luso-angolano Guilherme de Oliveira Taveira Pinto por alegado envolvimento em esquemas de suborno e corrupção, no caso referende à venda de material à Polícia angolana por parte da companhia espanhola Defex e na construção do tal mercado de abastecimento em Luanda pela companhia espanhola Mercasa.
Numa carta então enviada às autoridades judiciais espanholas, o sub-procurador-geral de Angola, André de Brito, informou que Taveira Pinto não poderia ser extraditado porque é cidadão angolano e porque a maior parte dos delitos de que é acusado foi amnistiada à luz da lei promulgada pelo antigo Presidente José Eduardo dos Santos em 2015 e que anulou todos os delitos com penas inferiores a 12 anos de prisão cometidos até Novembro daquele ano.
Contudo, André de Brito disse que, tendo em conta que o envolvimento de Taveira Pinto no caso da companhia de armas espanhola Defex prolongou-se de 2006 até 2016 e que havia contratos que poderiam esconder o pagamento de subornos, a PGR “estava a avaliar’” a possibilidade de instaurar um processo em Angola.
O mesmo esquema de corrupção foi repetido em contratos públicos na República Dominicana, Panamá e Argentina, onde também houve pagamento de “comissões a autoridades e funcionários públicos”.
A Justiça espanhola já emitiu vários mandados de detenção europeus e internacionais contra Guilherme Oliveira Taveira Pinto pelo seu envolvimento noutros casos de corrupção, nomeadamente que implicam a Defex.
Segundo a Justiça espanhola, Guilherme Taveira Pinto terá também intermediado a venda de armas de Espanha a Angola, num valor de 153 milhões de euros. Mas 100 milhões desapareceram e ao destino só chegou metade da mercadoria.
Folha 8 com Lusa